quinta-feira, 25 de julho de 2013

O primórdio aristotélico

BRADSHAW, D. Aristotle East and West : Metaphysics and the Division of Christendom, Cambridge: Cambridge University Press, 2006, páginas 1 a 23. (tradução do inglês por Rochelle Cysne).

O primórdio aristotélico

                 Apesar de Aristóteles nunca ter levado o crédito de cunhar a palavra energeia, quase não há dúvida de que o termo foi invenção sua. Ela não aparece em nenhum lugar da literatura Grega anterior a Aristóteles, e mesmo algumas décadas após a sua morte ela se restringe aos trabalhos filosóficos, particularmente aqueles da própria escola aristotélica. Contrastando a isto, ela aparece 671 vezes nos trabalhos de Aristóteles, cerca de uma vez a cada página na edição de Berlim. Desafortunadamente Aristóteles discute sua etimologia apenas uma vez, observando brevemente que energeia é derivada de "ação", "ergon" (Metafísica IX. 8 1050a22). Ainda que isto nos conceda uma última fonte do termo, a combinação de en com ergon já tinha precedentes do Grego, e é provável que essa tenha sido sua fonte mais próxima. Os dois candidatos acessíveis são energos, um adjetivo significando "ativo, efetivo", e energein, um verbo significando "ser ativo ou efetivo para operar". Em ambos os casos o sentido do radical de energeia é alguma coisa tipo "atividade, operação ou efetividade". Dizer mais do que isso baseado em etimologia seria temerário. 

                         Uma maneira de proceder sobre este ponto seria listar os vários sentidos ao modo de um glossário, ilustrando cada um deles por textos representativos. (Veja Chung-Hwan Chen, "Different meanings os the Term Energeia in the Philosophy of Aristotle", Philosophy and Phenomenological Research 17 (1956), 56-65, para um exemplo desta abordagem). Tal procedimento não explicaria o que unifica os vários significados na mente de Aristóteles e porque ele acreditou ser apropriado usar o mesmo termo para todos estes casos. Isso arriscaria deixar de lado as nuances mais sutis do termo, além de que não seria suficiente para iluminar os vários sentidos de "energeia" que nos interessam e seu desdobramento em múltiplas direções. Entre as questões que nós eventualmente devemos nos perguntar são aqueles que Aristóteles deixou como "não ditas" - quais novos desdobramentos do conceito ele sugere ou convida. A melhor preparação para endereçar esta questão será traçar o desenvolvimento de "energeia" em sua própria obra. 

                           Tal abordagem inevitavelmente levanta a questão polêmica da cronologia do desenvolvimento de Aristóteles. Apesar de muitos bons estudiosos terem tentado trabalhar com uma cronologia, Werner Jaeger primeiro popularizou uma abordagem de desenvolvimento dos estudos aristotélicos na década de vinte, não se pode dizer que enormes obstáculos desse empreendimento foram superados. Não há apenas escassez  de evidência relevante, tanto interna quanto externa; a maior dificuldade reside no fato que Aristóteles parece ter revisado e retocado seus trabalhos ao longo de sua carreira, de modo que alguns deles podem conter estratos de vários períodos diferentes. Isto cria uma quantidade desanimadora de descrições na construção de possíveis cenários. É verdade que certos fatos podem ser conhecidos com confiança razoável - por exemplo, que o volume do Órganon é anterior ao da Metafísica. Mas é froçoso demais, tecer uma cronologia a partir apenas de tais fatos.

                            Minha própria abordagem será invocar uma estimativa cronológica relativa, particularmente aquelas partes que receberam um acordo mais estreito. O que torna isso possível é que o tipo de desenvolvimento que nos interessa aqui é antes conceitual que cronológico. nada teria impedido Aristóteles de desenvolver uma nova aplicação do termo enquanto continuasse a aplicá-lo no sentido antigo, de modo a dar uma uma justificação sistemática mais tarde. Melhor do que especular sobre a ordem precisa da descoberta e da exposição, é mais profícuo focarmos nos argumentos pelos quais Aristóteles moveu-se de uma aplicação característica do termo para a próxima, ou, onde não há argumentos explícitos, na afirmação que pode ter feito tal etapa parecer natural. Ainda que o cálculo resultante permaneça suscetível de revisão à luz de uma pesquisa em andamento, desde suas alegações cronológicas modestas, devemos possuir uma quantidade modesta de resiliência?