sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Há uma filosofia cristã?

O texto que seguiremos lendo, Há uma filosofia cristã?, é do escritor grego Basil Tatakis, e se trata do primeiro capítulo de seu magistral livro Christian Philosophy in the Patristic and Byzantine Tradition , cuja tradução foi feita do grego para o inglês por George Dion, que também editou o livro em 2007 (págs 1 a 14). Estou aqui oferecendo uma tradução do texto em inglês, ou seja, uma tradução de uma tradução e espero que isto não se ofereça como um malefício para os leitores em língua portuguesa e sim como um meio de divulgação de ideias, propósito implícito a este mundo cibernético. As pessoas irão pensar que aqui não se trata de Filosofia católica e sim Bizantina, mas é importante considerar que o pensamento bizantino e o católico romano foram comuns até o cisma no século XI, mesmo que consideremos que para ter existido cisma tem de ter havido distinções fortes entre ambos os lados da Igreja. Mas podemos pensar a partir de um outro viés também: para conhecermos o pensamento católico não poderemos desconsiderar o pensamento bizantino, já que eles se complementam e justamente por suas nuances e diferenças conseguimos, aristotelicamente falando, captar suas especificidades. Veremos a partir desse texto que Tatakis segue uma orientação muito similar ao do grande E. Gilson, no que concerne à existência ou não de uma filosofia cristã.



Há uma filosofia cristã?
Basil Tatakis
trad. da versão inglesa por Rochelle Cysne

1) Os estudos clássicos e teológicos no século XIX --> Durante o século XIX, foi dado grande impulso aos estudos Gregos Clássicos. Uma notável tendência pôs de lado a herança espiritual que foi criada pela tradição cristã e, continuando a ser guiada pelo prejudicial cartesianismo, olhava  com desprezo o trabalho filosófico da era medieval, a saber, da filosofia escolástica. Uma atitude similar foi adotada por aquelas visões filosóficas que então ganharam notável circulação, como o materialismo e a filosofia positivista de Comte. Ao mesmo tempo, porém, este século foi imenso, talvez o maior, em termos de procura histórica. Pois pela primeira vez, com espaço e intensidade, a mente histórica estava objetivamente determinada a capturar e iluminar o passado inteiro em todos os aspectos por meio de sua caminhada de inquirição e crítica. Assim ela se voltou com especial atenção para a pesquisa e estudo da filosofia cristã em geral.
À parte este interesse geral na pesquisa histórica, este retorno para a filosofia Cristã tem certamente seus próprios motivos. Ele visava, por exemplo, trazer à cena da vida espiritual o homem metafísico, que o cientificismo positivista havia posto de lado. Nós não deveremos, porém, elaborar este ponto muito além, já que não devemos nos desviar de nosso curso imediato.
Quando os estudos históricos acima mencionados na filosofia medieval e cristã se multiplicaram, então surgiu a questão: "Há de fato uma Filosofia Cristã?". A discussão que se seguiu, em resposta a esta questão, foi longa e vigorosa. Um número de pesquisas foram levantadas e visões interessantes expressadas, que provaram fatos muito significativos, já que ajudaram a clarificar os dois termos contidos nas noções de "Filosofia Cristã" e tornaram possível fornecer uma resposta para a questão acima, deixando de ser tratada como exclusivamente fora até agora.
Como o estudo presente se refere às questões que relacionam a filosofia cristã e bizantina, é talvez importante, se não necessário, primeiro apresentá-la ou expô-la em uma maneira sinóptica. Ajuda valiosa para esta exposição sinóptica pode ser obtida do trabalho de Étienne Gilson, L'esprit de la philosophie medievale, especialmente os dois primeiros capítulos que se relacionam diretamente com esta questão. No final do primeiro capítulo da obra acima, uma rica bibliografia analítica é fornecida, e que se provará mais valiosa para aquele que deseja estudar essa questão mais extensivamente.

2) As questões de se há uma filosofia cristã --> Retornemos à questão posta de início, isto é, de se há uma "Filosofia Cristã". A noção "Filosofia Cristã" soa muito natural. Até agora, a discussão que tomou lugar revelou que é muito difícil defini-la. Certamente, não pode ser questionado que houve um movimento filosófico em Bizâncio, durante a Idade Média Ocidental, entre os árabes e entre os Judeus (note que a mesma dificuldade é observada com as noções de Filosofia Judaica e Muçulmana) e que um exerceu influência no outro. A questão que foi levantada não lança qualquer sombra de dúvida acerca destes eventos históricos e nem mesmo pode. Ela se relaciona, porém, a outro ponto muito mais importante. A questão é, de fato, a expressão "Filosofia Cristã" tem qualquer significado e se diz alguma coisa?
Não é se os filósofos Cristãos existiram, mas se houve qualquer filósofo enquanto Cristão; no mesmo sentido, podemos atualmente afirmar que existem filósofos que são Cristãos assim como existem filósofos que são idealistas ou empiricistas? O termo "filósofo-cristão" denota qualquer postura filosófica? Para tornar isso mais específico: é a filosofia escolástica uma verdadeira filosofia?

a) A resposta negativa dos Racionalistas --> As respostas seguintes foram as mais importantes dadas à questão. Um bom número de historiadores da filosofia concluíram que não existiu nenhuma filosofia na Idade Média, e consequentemente, o mesmo se aplica a Bizâncio. Relíquias das Filosofias gregas, fragmentos a partir quer de Platão, quer de Aristóteles, tecidos incompetentemente no corpo da teologia, isto é o máximo, que nos legaram. Nós não encontramos durante a Idade Média qualquer filosofia que seja fundamentalmente cristã e verdadeiramente criativa. A Cristandade, acrescentam, não enriqueceu a herança filosófica da humanidade.
Os historiadores da filosofia afirmam o que os filósofo explicam. Historicamente, eles dizem, nenhuma filosofia cristã pode ser observada porque tal noção é contraditória. Os puro racionalistas, a saber, aqueles que aceitam que apenas a razão deva ser a juíza de tudo, argumentam que entre religião e filosofia há uma diferença essencial, que torna qualquer cooperação entre eles impossível. Todos aceitam que a religião não pertence à ordem da razão, e consequentemente, que a razão que pertence à ordem da filosofia não pode ser derivada da ordem da religião. Não apareceria na mente de ninguém, acrescentam, falar de uma matemática Cristã, ou biologia Cristã, ou ciência médica Cristã. Isto ocorre porque matemática, biologia e ciência médica são ciências, e ciência é radicalmente diferente de religião, tanto em suas conclusões quanto em seus princípios. Pela mesma razão, eles concluem, a noção de "Filosofia cristã" não é menos irracional e contraditória, e o melhor a se fazer é abandoná-la completamente. Como podemos ver, esta discussão dá nascimento ao famoso problema das relações entre religião e ciência, ou fé e razão, que foi de tanto interesse dos pensadores modernos, especialmente nos tempos recentes.

b) A resposta dos neotomistas --> É extraordinário notar que mesmo aqueles que estudaram a filosofia Cristã durante os últimos 50 anos, por exemplo, os seguidores de Tomás de Aquino (os neotomistas) e os seguidores de Agostinho, não nos orientaram para uma resolução mais satisfatória do problema da definição de Filosofia Cristã. De fato, a visão dos primeiros parece ser mais relacionada à visão dos puro racionalistas. Tais filósofos cristãos afirmam que Tomás de Aquino é o único pensador que foi capaz de criar uma filosofia; mas a filosofia dele é única, porque é fundada em uma base puramente racionalista. Apenas o tomismo, asseveram, é um sistema de pensamento em que as conclusões derivam de pressuposições puramente racionais. Se esta filosofia, afirmam, não cai em contradição com a fé, é porque a fé é verdadeira e a verdade não pode contradizer a verdade. Em outras palavras, o filósofo tomista aceita que o Tomismo é uma operação imparcial da razão humana, que prova que todas as coisas sem voltar-se recorrentemente à fé. A conclusão é que se o Tomismo é uma filosofia verdadeira, não é tanto porque é Cristão, mas porque é filosofia. A despeito de se dizer o que é filosofia Cristã, os Neotomistas negam-na no mesmo sentido que os racionalistas. Eles desejam uma filosofia cristã na condição de que seja a única 'filosofia'.

c) A resposta dos seguidores de Agostinho --> Por outro lado, os seguidores de Agostinho claramente defendem que sua única proposta é seguir a fé. A diferença entre Platão e Aristóteles, que se basearam apenas na razão, e nós, foi a introdução da Revelação Cristã, que trouxe consigo uma profunda transformação dos termos com os quais a razão opera e concedeu assim uma nova matriz de percepção espiritual. Isto é um fato. Consequentemente, como é possível, para aqueles que possuem esta revelação filosofar como aqueles que não a tinham?As limitações de Platão e Aristóteles não são nada que as limitações da pura razão. Isso significa que qualquer filósofo que afirme que ele é autossuficiente cairá nos mesmos limites, senão em outros ainda piores; assim, o único método seguro a partir de agora é ter como nosso guia a revelação de Deus e tentar alcançar algum tipo de percepção do entendimento do seu conteúdo. Este entendimento da revelação dada é exatamente uma filosofia. Tal postura, porém, nega a filosofia, entendida como um movimento natural e plausível do pensamento. Assim, os seguidores de Agostinho, contra os neotomistas, defendem que há uma filosofia cristã, mas na condição de que é cristã e não tanto filosofia.

3) Avaliação das respostas acima --> Estas respostas são as principais, como podemos ver, para definir a noção de  Filosofia cristã. Poderíamos então dizer que esta noção de fato contém uma contradição e nenhum conteúdo real? Se olharmos atentamente para a maneira com a qual estas conclusões foram desenhadas, nós não encontraremos nenhuma dificuldade para observar que elas são exclusivistas, ou melhor dizendo, dogmáticas. Ou começam como pura racionalistas ou terminam como as demais com uma simples definição de religião, de filosofia e de ciência. É porque estas definições são contraditórias que, naturalmente, elas acabam num beco sem saída e se encontram incapazes de extirpar a contradição que o termo "Filosofia cristã" consagra. Eles não consideraram suficientemente que a resposta para a questão de se há realmente uma filosofia cristã não surge de uma investigação racional e da análise dos termos, mas da realidade histórica e apenas dela. Em outras palavras, nós necessitamos examinar se em qualquer tempo o pensamento filosófico e a fé cristã deram e receberam conteúdo um do outro, se tiveram relações mútuas. Apenas uma investigação metódica de tais questões nos daria uma firme fundação para compreender a noção de Filosofia Cristã. Esta é exatamente a visão de Gilson. (L’esprit de la philosophie medievale, J. Vrin, Paris, 1932).

4) A Visão crítica de Harnack (Adolf von Harnack (1851 – 1930) foi um historiador e teólogo alemão famoso por sua visão da “Helenização da Cristandade” e significativos estudos sobre a Igreja oriental, especialmente por seu volumoso trabalho (História da Dogma- Lehrbuch des Dogmengeschichte), 7 volumes, traduzido do alemão já em terceira edição, Williams and Norgate, London, 1894 – 1899, Cf. ODCC, p. 740. NCE 6 , pp. 648-649). --> Não obstante, mesmo nesta área, objetores emergiram, isto é, sábios pensadores que negaram que as relações mútuas entre o pensamento filosófico e a fé Cristã tenham existido. Assim, o famoso historiador religioso Harnack defendeu a visão de que a Cristandade dos primeiros séculos tinha um caráter exclusivamente prático e era estranha a qualquer teoria. Ele foi seguido nesta visão por muitos outros. Ninguém discordaria deles se estivesse em jogo simplesmente entender sua afirmação negando que a Cristandade  é idêntica à filosofia. Nada seria mais óbvio. Não obstante, quando arguem que mesmo no nível puramente religioso, a Cristandade não trouxe qualquer elemento teorético, mas foi simplesmente um "movimento de ajuda mútua", então é óbvio que eles vão além do que uma investigação histórica permite-nos afirmar. Neste caso, teríamos que ignorar muitos textos não propriamente de filósofos cristãos, mas do próprio Novo Testamento, como por exemplo a primeira carta de João e toda a teoria mística Cristã que se baseou nela. "Deus", ela diz, "é luz e não há trevas nEle. Se dizemos que temos comunhão e andamos nas trevas, nós mentimos e não agimos com a verdade. Se, por outro lado, nós andamos na luz, como Ele está na luz, nós temos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus Cristo nos limpou de todo pecado". (1 João 1: 5-6) Também, "Nós sabemos que passamos da morte para a vida, quando amamos nossos irmãos; aquele que não ama permanece na morte. Quem quer que odeie seu irmão é um assassino e sabeis que nenhum assassino tem a morada da vida eterna nEle". (1 João 3: 14-15).

Estes são textos teóricos, e não são os únicos. Indo além, não há como esquecermos os ensinamentos de Paulo acerca da Graça Divina, na qual Agostinho fundou sua filosofia. E também podemos mencionar o prólogo do Evangelho de João, que contém os ensinamentos sobre o Logos (o Verbo) e a multidão de ensinamentos de Cristo concernentes, por exemplo, ao Pai dos Céus, ou Deus, que é Providência, ou vida eterna e o Reino Eterno dos Céus. Teríamos com este exemplo, esquecido também que a cristandade no início era muito conectada ao judaísmo e que o Antigo Testamento contém uma multidão de pensamentos sobre Deus  e sobre o governo do mundo por Deus.

5) A correta abordagem de acordo com Gilson (Étienne Gilson (1884-1978) foi um filósofo francês tomista que escreveu extensivamente sobre filosofia em geral e sobre filosofia cristã em particular).
--> De tudo isso dito acima, ainda que não tenha um caráter puramente filosófico, não obstante sejam teses religiosas com conteúdos teóricos, aguardam uma alma apropriada para por a descoberto as visões e conclusões filosóficas que estão contidos neles. Assim poderemos entender a  influência que as Escrituras exerceram no desenvolvimento da filosofia. Para explicar isto, é suficiente perceber que a vida Cristã contém desde seus primórdios elementos teóricos que abriram certos caminhos distintivos para o pensamento filosófico.

Foi isto realmente o que aconteceu? A Cristandade realmente trouxe mudança no curso da História da Filosofia, abrindo à razão o horizonte da fé, que a razão sozinha não poderia ter descoberto? Mesmo um simples lançar de olhos para a história da filosofia nos tempos modernos, diz  Gilson, é suficiente para nos persuadir do que realmente aconteceu.

Penso ser muito interessante seguir como ele defende e prova esta visão particular.

6) A discussão de Gilson de Descartes --> Gilson escolhe para a discussão um filósofo muito importante, o francês R. Descartes, que é justamente reconhecido como o fundador da filosofia moderna. Nós associamos, ele diz - e isto é muito pertinente - o grande crescimento da filosofia no século XVII com o crescimento da ciência natural e matemática. Este é, de fato, o ponto em que o Cartesianismo embasa sua antítese para com a filosofia escolástica. Quando, porém, vemos as coisas neste prisma, vemos apenas metade da verdade. Nós só somos capazes de ver muito acertadamente o conjunto de Descartes e da filosofia moderna, diz Gilson, se examinarmos os pontos em que o cartesianismo se põe em contradição ou se separa dos metafísicos gregos. Nós então encontraremos que há na análise de Descartes alguma coisa diferente, algo novo e, o que é mais importante, que este elemento novo e diferente se deve ao trabalho da fé Cristã sobre a razão. Tal investigação mostraria que a filosofia moderna de Descartes a Kant e mesmo além, tanto quanto no século XIX, -hoje nós iríamos além e falaríamos de James, Bergson, e assim por diante - não seriam quem realmente foram se as filosofias cristãs não se tivessem desenvolvido antecipadamente desde os primeiros séculos da Cristandade até à Renascença. Isso mostraria, em outras palavras, que uma grande extensão da filosofia moderna deve sua influência à Cristandade, em alguns princípios diretivos que a inspiram.

7) Influências cristãs na filosofia moderna --> Quais são elas? No início de nosso século, um filósofo francês chamado Hamelin (um importante estudante de Aristóteles, (1856-1907) foi um filósofo francês, que ensinou na Universidade de Bordeaux e na Sorbone)), falando sobre Descartes, disse que "ele veio após os antigos, como se não houvesse quase nada entre eles e ele..." Como, pergunta Gilson, nós devemos entender aquela pequena expressão "quase"? E o que nós devemos por entre Descartes e os antigos? Nós devemos, ele diz, antes de tudo lembrarmo-nos do pequeno trabalho de Descartes, "Meditações metafísicas... por meio das quais a existência de Deus e a imortalidade da alma são provadas". As provas, que ele dá para a existência de Deus, estão relacionadas às provas que Tomás de Aquino e Agostinho proveram. Com certeza não é impossível mostrar quanto a teoria cartesiana deve aos filósofos cristãos com respeito à liberdade, às relações entre a Graça Divina e a livre vontade humana. Isto bastaria, ele acrescenta, para observar que o sistema inteiro de Descartes está baseado na ideia de um Deus Onipotente, que em algum tipo de caminho Se cria, que, em maior extensão, cria as verdades eternas, mesmo as matemáticas, que cria o Universo do nada e a preserva na existência com operação criativa incessante de momento a momento; sem esta criação incessante, diz Descartes, todas as coisas cairiam imediatamente novamente no nada e no caos, de onde a vontade de Deus retirou para trazer à existência.

8) A abordagem moderna (cristã) do problema da Criação --> O problema da Criação não era objeto de investigação dos filósofos Gregos no mesmo sentido que foi para os cristãos. É óbvio que neste ponto Descartes está baseado diretamente na tradição bíblica e no desenvolvimento que os Pais da Igreja forneceram junto aos escolásticos. Mas como Descartes vê Deus em geral? Ele o vê como infinito, perfeito, Onipotente, criador do Céu e da terra, que criou o homem "à sua imagem e semelhança" e sustenta todos os seres com Seu próprio poder criador, o qual trouxe as coisas à existência. Não discernimos neste padrão a essência e os atributos do Deus dos Cristãos? Descartes pode reivindicar não estar baseado na teologia ou na revelação em nada; que todas as suas idéias são claras e distintas e claramente que ele se serviu apenas da razão natural, bastando uma pequena análise com firme atenção para este conteúdo se realizar. Descartes pode afirmar isso, mas permanece o fato de que sua visão ( as únicas puramente racional e intelectual, como ele as designa) concordam exatamente com aquelas que a Cristandade ensinou em todo o século XVI antes dele e em nome da fé e da Revelação. Esta harmonia mostra claramente que a preparação da mente filosófica dos tempos modernos deve ser procurada no trabalho da Cristandade, ao menos na mesma medida em que é procurada nos trabalhos dos filósofos Gregos.

9) A Influência cristã em outros filósofos Modernos --> É particularmente importante mostrar que se continuarmos nossa investigação na esfera da filosofia moderna, descobriremos que o caso de Descartes não é uma exceção, mas quase a regra. Em Malebranche, Berkeley, Hume e Leibniz (sem mencionar Pascal, cujo pensamento é completamente mergulhado na cristandade e especialmente em Agostinho) ou Kierkegaard (século XIX) que é completamente bíblico, veremos sem qualquer dificuldade que a fonte para suas filosofias era a essência da tradição filosófica cristã, não sendo seguida antiga filosofia Grega  principalmente com respeito aos seus métodos.

Tendo por fundamento tais conclusões, poderíamos afirmar, falando mais genericamente, que quando um filósofo moderno vê com novos olhos as coisas de um modo independente da tradição filosófica Grega (como a análise que mostraremos), em muitíssimas ocasiões esta nova visão tem sua raiz na antropologia Cristã, no homem metafísico que levou à descoberta dentro de nós da revelação Cristã. Tal é a opinião de Leibniz. Seu trabalho, Discurso de Metafísica, que lida com a noção de um ser livre e perfeito, que é Deus, defende a Divina Providência e finaliza com as seguintes palavras: "Os antigos", ele diz, "sabem muito pouco com respeito a estas importantes verdades: apenas Jesus Cristo foi capaz de formulá-las de um modo divino, mas também tão puramente e acessivelmente que mesmo as pessoas mais simples poderiam entendê-las; assim Seu Evangelho mudou completamente a face das coisas humanas". Ele não acreditava, como pensamos, que ele veio imediatamente após os Gregos como se não houvesse nada entre ele e eles.

10) As conclusões de Gilson --> O olhar que Gilson lança na filosofia moderna, eu penso, mostra muito claramente que a divisão entre filosofia e religião não era radical em qualquer ponto, e que as metafísicas dos filósofos modernos eram influenciadas pela essência da revelação cristã muito mais profundamente do que assumiriam facilmente. É muito evidente que as ideias filosóficas passaram da revelação cristã para a pura filosofia; a metafísica, então, recebeu alguma coisa da Bíblia e dos Evangelhos. Um exemplo clássico é o de Kant na Crítica da Razão Prática, que é Cristã em sua inspiração e que veio completar sua Crítica da razão Pura, que é Grega, ou melhor dizendo, teorética, e consequentemente conectada com a essência racional da Razão. Em outras palavras, é claramente evidente que na última análise, é impossível entender que os sistemas, diríamos de Descartes, ou de Kant  ou de Leibniz, teriam sido construídos como o foram, sem ter recebido a influência da religião Cristã. tudo isso demanda de nós o reconhecimento que a influência da cristandade na filosofia foi um fato real e que tais coisas mostram de uma aneira clara se a noção de Filosofia Cristã tem algum significado e qual seja realmente. Fé é, de fato, a fonte que alimenta o pensamento filosófico.

11) O caso do positivismo de Comte --> No início do século passado, o filósofo francês Comte, o fundador da filosofia positivista, acreditou que ele tinha concebido de uma maneira definitiva, com sua famosa lei dos três estágios, o ritmo da história da civilização. O primeiro estágio era aquele da mitologia, o período do mito, sendo o seguinte o período da metafísica, de acordo com o qual o pensamento era racional mas não com referência às coisas mesmas. Este período foi seguido nos tempos modernos pelo terceiro e definitivo ou a verdadeira posição do espírito, a ciência positiva. por meio desta lei, Comte acreditava que a teologia e a metafísica foram enterradas para sempre. cem anos se passaram desde então e ambas continuam a viver e a produzir flores renovadas!

12) O caso de Lessing --> Muito mais profundo foi o pensamento que Lessing expressou: "Sem dúvida", ele disse, "as verdades religiosas não eram racionais quando foram reveladas, mas foram reveladas para se tornarem racionais". Em outras palavras, a Cristandade não veio como uma filosofia, mas as verdades que foram projetadas podem se tornar racionalmente articuladas. Isto é exatamente a tarefa que os filósofos cristãos realizaram, fazendo sua principal meta a articulação racional do conteúdo da fé. O estudo de seus trabalhos nos mostrará qual dogma inspirou neles estilos filosóficos, quais questões surgiram neles, qual direção e quais métodos eles seguiram para permanecerem cheios de fé para com o espírito da religião, em uma palavra, o que sua mente ganhou com a inspiração da Bíblia e dos Evangelhos e qual foi a textura filosófica de seus trabalhos.

13) Conclusões finais --> Já que, consequentemente, há filosofia no trabalho dos filósofos cristãos e já que a Cristandade continua a influenciar, até hoje, e a inspirar o pensamento de muitos filósofos, a noção de Filosofia cristã, a despeito da objeção dos racionalistas, não é contraditória, mas tem um significado que expressa um fato histórico particular. Se o fiel cristão estabelece sua convicção na persuasão inerente que é oferecida a ele pela fé, ele é um puro crente que não entrou ainda na esfera da filosofia, mas a partir do momento em que ele pode distinguir entre suas convicções algumas verdades, que podem se tornar objeto de ciência, ele se torna um filósofo. Estas novas luzes ele deve à religião Cristã, e consequentemente, é correto chamar-lhe de filósofo Cristão.







Nenhum comentário:

Postar um comentário