quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Misticismo Bizantino I: João Clímaco e Máximo

Trata-se do capítulo 8 da mesma obra de Basil Tatakis citada nos posts anteriores. Páginas 109 a 123.
São João Clímaco e São Máximo, Confessor, são santos da Igreja católica Romana quanto da Igreja Ortodoxa. Assim sendo, o legado de ambos não é exclusividade da ortodoxia oriental. O papa Bento XVI possui excelente ensaio sobre Máximo Confessor. O padre Paulo Ricardo de Azevedo comenta a obra de João Clímaco em sua terapia das "doenças espirituais".

Misticismo Bizantino I: João Clímaco e Máximo

Para falarmos sobre a Ortodoxia, precisamos adentrar profundamente em suas raízes místicas. Agora veremos um pouco mais analiticamente o Misticismo Bizantino em seu curso histórico, notando especialmente seus representantes mais importantes e as correntes mais importantes que emergiram neste fluxo.

1) O primeiro crescimento do espírito do asceticismo- Desde muito cedo, já no terceiro século, o espírito do asceticismo foi espalhado e aprimorado. Este é o período de Santo Antônio e Pacômio, o grande asceta do deserto egípcio. Uma grande multidão de Cristãos, que continuaram a aumentar todo o tempo, aceitaram a vida monástica e se voltaram para os mosteiros, a cidade dos anjos como eles chamavam, ou viviam uma vida eremítica, uma vida de 'anacoreta' no deserto, nas cavernas, ou em colunas de antigos prédios. Por meio deste absoluto desapego com relação aos cuidados da vida mundana, eles procuraram garantir espaço, o lazer e o contexto fértil que lhes permitiu avançar na perfeição.

Não demorou muito para que o monaquismo fosse grandemente desenvolvido e adquirisse tremendo prestígio moral. Seu prestígio foi tal que imperadores e patriarcas tinham de guardar na mente os ditos dos monges nos grandes assuntos eclesiásticos, religiosos e políticos. Isso foi natural para uma sociedade como a Bizantina, que viveu não apenas para compreender o ritmo da eternidade, mas também para apropriá-la aqui nesta vida terrena. Exatamente por isso, os Bizantinos acreditaram ser os monges capazes de alcançar um grau mais elevado de vida, com o tipo de vida que escolheram seguir. Eles eram os místicos, podemos dizer, da eternidade. Eles foram aqueles que se ergueram das coisas terrenas e mundanas para os lugares celestes.

Por toda parte em toda a era Bizantina, o asceticismo constitui um dos tons principais da vida, em muitos exemplos o mais importante. Foi natural encontrar nos círculos ascéticos a essência mística da Cristandade ser expressa mais vividamente. Todas suas vidas, desde os detalhes mínimos, lentamente e gradualmente conquistaram um sentido místico e simbólico, pensados e visualizados para um propósito maior. O hábito do monge, diz Santo Doroteu (século sexto), não possui mangas para que o monge possa chorar ao seu modo e para que ele não tenha mãos para o serviço do mal.

2) As duas correntes do asceticismo bizantino. Os monges, porém, não se tornaram conscientes de seus problemas em toda sua profundidade, nem todos o viram do mesmo modo, nem se voltaram todos eles para as mesmas questões. Isto é exatamente nossa tarefa aqui: tentar compreender os passos que foram tomados pelo misticismo bizantino em suas linhas mais importantes de desenvolvimento. Nesta minha visão, podemos distinguir em Bizâncio, duas grandes correntes de asceticismo que sempre coexistiram.

Por um lado, nós temos a forma externa mais popular, que foi dominante nos círculos dos simples monges e que foram formadas principalmente nos desertos do Egito. O principal objetivo neste misticismo foi 'a luta contra a carne'. Eles exercitavam a carne e a sujeitavam a todo tipo de prejuízo, já que por ser material, ela constituiria a encarnação do mal. Este tipo de asceticismo voltou-se com interesse especial para uma multidão de responsabilidades da vida cristã. Seu tema mais apreciado e familiar era um tratado sobre as virtudes e seus vícios correspondentes. Suas questões frequentemente nos lembram o espírito do neoplatonismo (que a matéria é um mal), e o asceticismo dos cínicos (na busca pela virtude). Desafortunadamente, este asceticismo mais popular e empírico e frequentemente mais visível, foi compreendido apenas  na base de seu excesso, e disso, muitas afirmações injustas foram lançadas sobre Bizâncio. O fato, porém, é que, mesmo este asceticismo nos deu tipos excepcionais de homens virtuosos que foram santos.



3) João Clímaco e sua escada.
No topo destes homens está João Clímaco, ou Escolástico (525-605). Ele foi chamado Escolástico por conta de sua grande erudição, e Clímaco por conta de sua principal obra intitulada Escada Espiritual (Κλϊμαξ πνευματική).

A  escada apresenta a mais alta forma de espiritualidade a qual este misticismo popular poderia chegar. É a suprema interpretação que pode ser dada ao misticismo baseado na sede de perfeição, o profundo amor pelo modo angélico de vida (a comunidade dos monges), em suma, pela virtude monástica. O nome deste trabalho único - a Escada - deriva da escada celeste vista por Jacó em sonhos. Os trinta capítulos, nos quais ela está subdividida e que são também chamadas de trinta degraus, alegoricamente denota os trinta anos da vida oculta de Jesus.

Escada foi a mais amada leitura dos monges bizantinos, mas também dos leigos. Poucos livros foram mais extensivamente lidos do que este. Há uma rica variedade de manuscritos nos quais esta obra sobrevive. Ademais, há muitas traduções desta obra em Siríaco, Latim, Espanhol, Francês, e dialetos eslavos que revelam seu alcance e reputação largamente.

Olhemos ao conteúdo da Escada. O autor começa com a ideia de que o monastério é a escola preparatória para a vida futura. O monge gasta todo o tempo de sua vida lá como um discípulo que se engaja numa forte batalha de modo a chegar ao cume da perfeição. Ele luta contra si mesmo e contra os demais inimigos. A Escada serve como guia e é designada para lhe mostrar o método pelo qual ele pode vencer a batalha e seu coroado como vencedor. Este método é, em última análise, uma pedagogia ou, melhor, um condutor da alma, como Platão teria dito de sua própria filosofia, embora com conteúdos distintos. A essência dela é como pode ser conduzida a alma de um pecador imperfeito, que entendeu o sentido da miséria do pecado em que tem vivido, para encontrar e voltar-se ao caminho da Luz que não se apaga, Deus.

Nesta difícil tarefa, o monge não pode esperar (e isto constitui a tônica mais essencialmente cristã) que ele será capaz de atingir a perfeição por si mesmo; isso engendraria a pior forma de egoísmo. O monge tem de chegar à suprema forma de humildade. com a qual ele limpará de si mesmo qualquer traço de egoísmo e assim adquirirá o poder de ser unido ao seu guia, seu pastor. Mas quem é o verdadeiro guia e pastor? A Escada diz que aquele que procura e descobre os que estão perdidos com sua própria bondade e sua própria atividade efetiva e oração, só pode ser o próprio Deus e isto pressupõe a própria batalha divina. Com tal poder pode-se salvar uma barco da tempestade, mas mesmo tirá-lo do abismo. O verdadeiro pastor conhece Deus por conta de uma luz interna que torna todos os textos redundantes. Não convém aos professores guiar os estudantes com cópias, com conhecimento que venha de fora. O verdadeiro pastor oferece às suas ovelhas suas próprias almas. O pastor reconhecerá esta sabedoria que vem de Deus quando ele puder conduzir à perfeição não apenas aqueles que são diligentes mas aqueles que são insubordinados e brutais. Ele nunca deixará de desempenhar o papel de 'lógos' às suas ovelhas mesmo quando eles pastam, ou quando vão dormir. Não há nada que  os lobos temam mais do que o eco da voz do pastor. É claro que o protótipo para os pastores na Escada é o próprio Cristo como o Divino Pastor. Mas examinemos por quais métodos os monges devem se guiar uma vez que encontraram o Pastor. Isto é descrito em 30 etapas (degraus).

4) A metodologia espiritual da Escada. O ponto inicial para a vida Evangélica é a renúncia às coisas mundanas e o seu fim é a impassibilidade (απατεια) a que se chega com sucessivo progresso. O monge, de acordo com a Escada, "é uma ordem e estado incorpóreo" dentro de um corpo material e incorpóreo. Ele começará, como dissemos, com a renúncia das coisas corpóreas, tão completamente quanto possível; e esta renúncia das coisas externas será seguida por um desprendimento interno das coisas do mundo. Em seguida, virá a saída do mundo. Sair significa, deixar tudo; este desprendimento é alcançado quando se está indissoluvelmente atado a Deus em pensamento. Esta partida nos salva da idolatria de ser vaidoso, a não existência, para alcançarmos o ser que verdadeiramente existe. Apenas em dois sentidos chegamos à 'impassibilidade' que é a 'morte da alma e a morte da mente, antes da morte do corpo'.  Neste sentido, a vida ascética o desviará de ter atenção ao que quer que lhe aconteça, ou ao seu redor, em uma medida humana, e o preparará a receber um outro ego, para entrar, como se fosse em outra vida para receber aquele que transcende o homem, Deus. Condenando à morte o mundo que está dentro dele, ele ressurge numa vida contemplativa. Esta perfeita saída torna-o digno daquela obediência que equivale à "mortificação dos membros no interior da mente vivente". O homem que chega a esta perfeita obediência apenas se lamenta quando ele se pega cumprindo sua própria vontade.

Neste perfeito isolamento, o monge  terá o estudo da morte como sua companhia fiel. O historiador Procópio já havia chamado a vida do monge como "um perfeito estudo da morte". O que é a morte, porém?  Morte, em significado mais próprio, é a separação de Deus. O verdadeiro asceta reconhecerá todos os dias que ele gastou seu tempo sem luto, considerando o dia perdido. Por que ele deve estar em luto? Por que o estudo da morte é uma morte diária e o estudo do momento que o espírito se livra em um suspiro incessante.  O asceta teme a morte porque ela pode vir a qualquer momento quando ele não estiver preparado; ele teme a morte que é a separação de Deus, a morte da contemplação que é ressurgir para este mundo. Ao estudar a morte, consequentemente, e ao estar em estado de perda, ele luta contra a morte e trabalha pela imortalidade. "É estranho, de fato" diz João Clímaco, "que os Gregos também dissessem alguma coisa análoga já que definiam a filosofia como o estudo da morte". Ele tinha em mente o Fédon de Platão, mas é claro que no caso de Platão, temos uma postura puramente dialética, ao passo que no caso de João ela é puramente mística.

Quando o monge vence toda sua fraqueza e os vícios da carne e da alma e quando ele se afasta do mundo e é gerado em seu pensamento o que está acima da criação, com um amor vigoroso pela virtude e por Deus, então, finalmente, ele chega a uma quietude santa de corpo e alma, cujo fim é a 'impassibilidade', a paz de uma alma redimida do tumulto das paixões. A única coisa que permanece nele é sua união com Deus. Para tanto, apenas a oração pode conduzi-lo, a oração que é uma conversação familiar do homem com Deus. Em sua perfeita forma, a oração é a experiência de ter-se tornado cativo de Deus.

5) Asceticismo, grego e cristão. O pensamento ascético contém, conforme já vimos, uma multidão de elementos da diatribe cínica e o discurso das virtudes dos estoicos, como também o tema neoplatônico da repulsa pela matéria. Isto não constitui, porém, uma regeneração da razão prática dos antigos. Logo é desnecessário reiterar que todos os elementos gregos são agora batizados na atmosfera cristã. As principais virtudes são agora fé, esperança e caridade, e a maior de todas, diz João Clímaco, é a caridade.

Amor incessante a Deus é a principal característica de uma alma pura. Unida a Deus pela pureza, a alma não terá necessidade da mente para ensiná-la. Neste estado abençoado, ter-se-á no interior de sua mente um líder místico e guia de luz. O homem não chega a Deus por um procedimento intelectual ou dialético, mas por uma união erótica de sua alma a Ele. João Clímaco é aquele que caiu de amor por Deus. O Menologion (livro litúrgico de cada mês) no dia 30 de Março diz que João Clímaco viveu por quarenta anos, como um anacoreta com um amor ardente e que sua alma estava queimando com o fogo do amor divino. É também dizer que este sentido de vida foi resultado da oração incessante e de amor infinito por Deus.

Este eros, porém, ainda não chegou à sua conclusão, já que o eros do homem para com Deus é mais destacado do que o eros de Deus para com o homem. É ainda sob a influência da Filosofia Platônica e Neoplatônica vista como um amor pela verdade. Sua conclusão chegará mais tarde, como será visto, principalmente com Simeão, o Novo Teólogo. Mesmo assim, deve ser dito que esta noção da união erótica da alma a Deus constitui um evento significativo; ela introduz para a vida da emoção aquele rico tom do qual deriva o idealismo moderno. Aqui, então, em Bizâncio e no contexto da teologia, eros toma a iniciativa. O sentimento cristão de pecado, por um lado, e a idealização da Mulher na personificação da Santíssima Virgem, por outro, nos dá o clima no qual "eros" em Cristo apareceu em todo o seu brilho ideal como o "eros" de um esposo, casado com a Igreja, que leva a alma para as alturas do casamento místico com Deus. A honra especial concedida à Santíssima Virgem já é acentuada no século sétimo: na pessoa dela, a mulher é idealizada, e isto é mais claramente revelado no famoso trabalho de Teófilo e Cassiano, que respectivamente representam o espírito do Antigo Testamento e o espírito do Novo Testamento com reconhecimento ao papel da mulher.

Quando esta ênfase mais tarde se volta para as relações humanas, define o supremo ideal, que faz de eros a figura de um cavalheiro que vê a mulher como um ser superior, como uma encarnação dos mais preciosos ideais de virtude e pureza. Em outras palavras, o eros dos místicos para com Deus é encontrado na base, ou constitui a fonte deste idealismo que é exibido no eros dos tempos modernos e que constitui uma das diferenças essenciais entre o mundo antigo e o moderno.

Foi apenas no Oriente então que se formou a Ortodoxia. Esta mesma Ortodoxia com seu eros místico para com Deus revela a riqueza emocional que preenche a vida com um intenso e supremo idealismo. Foi na Grécia Oriental que os textos ascéticos foram primeiro transmitidos a toda a Cristandade, especialmente a Escada, que é cheia de pulsão do divino eros que consome a alma do asceta com fogo.

Dizemos que a Escada frequentemente nos lembra a doutrina dos Estoicos e Cínicos. É verdade que especialmente para os Estoicos o supremo bem é a Impassibilidade, isto é, a serenidade da alma que permite o princípio hegemônico, a mente, estar completamente não distraída e ser realmente hegemônica. Também para João Clímaco, impassibilidade é o último e mais alto estágio. Com isto, o homem chega à mortificação de seus membros e não apenas dos seus membros mas de sua mente humana e de sua individualidade humana, e chega ao grau mais elevado de submissão. Para os Estoicos, a impassibilidade é um fim, e escopo último, a perfeição do homem. Quando ele chega a este estágio, o homem aceita este fato sem qualquer protesto, entra voluntariamente no ritmo do mundo, e aceita o papel que foi destinado para ele pelo Logos (Zeus). Uma vez chegando a este ponto, dizem os Estoicos, se um homem vê que o Logos destinou-lhe o papel de um rei ele aceitará o papel de um rei, mas se ele perceber que o papel atribuído a ele foi de um impostor, ele estará pronto a aceitá-lo. Esta aceitação voluntária constitui a suprema sabedoria de acordo com os Estoicos. Para os ascetas, porém, especialmente para São João Clímaco, a impassibilidade não é um fim, não é uma meta, mas um meio. É a condição a qual chega o homem quando se percebe que fez o que pôde, algo que lhe acontece. É a suprema forma de preparação, não para permanecer, mas para transcender a si, através da qual se pode perceber a luz de Deus ou apresentar-se diante de Deus. É a penúltima etapa antes da deificação, que é buscada pelo místico. É óbvio que é uma 'deificação' de acordo com a 'semelhança', 'pela graça divina' e certamente não 'de acordo com a essência'.

6) De João Clímaco a Máximo Confessor. Além deste misticismo, que chamamos de prático e empírico, que não pode completamente assimilar e transubstancializar a postura Grega (Deus como objeto de Amor), ou superá-la (o repúdio pela matéria) e por conta de onde veio a assemelhar-se muitas vezes à pessoa que procura por coisas externas a despeito de um desprendimento involuntário delas (já que isso se torna uma batalha estéril contra as tentações externas), há em Bizâncio outro procedimento místico mais elevado. Este tipo de procedimento supera o misticismo externo do deserto, perfeitamente adaptado às posições filosóficas habituais à essência da Cristandade, oferecendo um misticismo cristão em sua forma mais completa, e ao mesmo tempo muito mais genuinamente Grego do que os tipos prévios que tinham maiores cores orientais.

Frequentemente vemos em Bizâncio muitas influências orientais, que, podemos dizer, alteram ou modificam a profundidade grega. Nós não vemos igualmente, porém, uma forte batalha dos Bizantinos contra os Gregos em favor de uma essência puramente cristã, mas uma luta para superá-la, às vezes mesmo derrubá-la ou ainda adaptá-la de modo a proteger sua natureza. Assim, por exemplo, na arte, a despeito das influências orientais indisputáveis, é fácil separar a essência grega no sentido da harmonia, na nobreza da linha, e na síntese global. Ora, o mesmo se aplica com relação ao pensamento. Nós vimos como João Damasceno e João Filoponos rejeitaram todo tipo de superstições, preconceitos, teorias mágicas e astrológicas em nome da razão e da piedade cristã.

Nós observamos exatamente a mesma coisa na esfera do asceticismo. De uma batalha contra a carne e o interesse dominante nos deveres externos da vida cristã, o asceticismo é transformado em um procedimento místico em direção à deificação. Em outras palavras, Bizâncio se transforma quase que exclusivamente em uma forma de vida religiosa interna, i. e, a uma relação espiritual direta com Deus. João Clímaco estava pronto para entrar neste caminho. Mas podemos ver mais claramente em Máximo, e em sua forma mais completa, na exaltação do 'divino eros' em Simeão, o Novo Teólogo.

7) Os dois tipos de verdade de Máximo- Há, diz Máximo, dois tipos de verdade, e para sua realização nós usamos dois tipos de instrumento, 'razão' e 'mente'. O primeiro tipo, que nós obtemos com a 'razão', é o conhecimento humano comum, um resultado de silogismos. Para o conhecimento ser possível, porém, Máximo argumenta que deve existir uma correspondência entre o mundo sensível e o mundo inteligível. Há, de fato, tal correspondência? Este foi o problema básico que Platão tentou resolver com sua teoria das ideias e que Máximo tentou resolver através da alegoria e do simbolismo. Cada um destes dois mundos, ele diz, é uma alegoria e um símbolo para o outro para aqueles, é claro, que têm olhos para ver. Assim, o mundo inteligível encontra sua forma específica em um sentido místico nas espécies do mundo sensível que são símbolos. Novamente, o mundo sensível entra através do conhecimento no mundo inteligível e lá é organizado com padrões racionais. O mundo sensível expressa o mundo inteligível ao seu modo (as espécies), e nisto, novamente,  a realidade sensível se apresenta sob a forma de conceitos e silogismos. Logo, nós podemos compreender as coisas invisíveis pela visíveis e, mais importante ainda, nós podemos compreender as coisas visíveis pelas invisíveis por meio da contemplação espiritual. Simbolismo e alegoria estabelecem e pressupõe, como podemos ver, uma teoria completamente racional do conhecimento. Isso é o suficiente para o primeiro tipo de verdade.

O segundo tipo de verdade é a visão da "mente" que une o homem a Deus. Esta não é uma verdade no sentido usual do termo. É a vida em Deus. Por esta razão, se alguém chega a este ponto, um procedimento ascético foi requerido, bem como a aquisição de certas virtudes como o amor, a prudência e a oração.  Sem estes é impossível para a alma vir em contato com Deus de um modo perfeito. A primeira virtude pacifica o poder agressivo da alma (το θυμικον); a segunda regula o poder apetitivo (τήν έπιθυμία); e a oração separa da mente todos seus pensamentos e apresenta-se a Deus completamente desnuda. Pensamentos são percepções de seres existentes, mesmo que sensíveis ou inteligíveis. Quando a mente trata de tais coisas, ela se volta para cocepções derivadas delas. A graça da oração destaca-se a partir destas concepções e se volta a Deus. Assim, porque a mente voltou-se a Deus, torna-se ela mesma deificada pela divina radiação. Nós devemos claramente notar, porém, que nenhum procedimento ascéticos que está desprovido de amor pode nos tornar unos com Deus. É o amor que torna possível a nós tornarmo-nos Deus, por meio do amor de Cristo, que se tornou homem por amor ao homem. Porém, quando é que a oração nos separa de nossas concepções e pensamentos? isto ocorre quando o homem percebe que "ser" é mais do que "conhecer". Esta é uma etapa muito importante e necessária. Apenas assim a mente adquire uma relação íntima com Deus que é Aquele-Que-É (ό Ων), a razão de tudo. Apenas aqueles seres humanos que seguem este contato santo e deificado serão recompensados com a "deificação pela graça" (θεωσιϚ κατα χάριν). 

8) Os dois tipos de perfeição. Como temos dois tipos de conhecimento, duas verdades, assim temos dois graus de perfeição, uma que é conhecer (το γινώσκειν) e ser (το ειναι).  A primeira é própria ao homem e a segunda é própria a Deus. A Graça de Deus pode fazer o homem alcançar a perfeição de ser (το ειναι). Para alcançarmos isto temos de eliminar da alma todo silogismo, toda concepção, para que ela seja purificada. Apenas assim ela será inundada com o "ser". Este impulso para o "ser", que supera o "conhecer", não constitui um método para a coquista da verdade, enquanto realidade sensível, mas preferencialmente uma forma de asceticismo, uma perfeição da vida, uma regra de moralidade e conjuntamente uma filosofia. Nós vemos em Máximo, como vimos em Pseudo-Dionísio, o início das visões que João Damasceno mais tarde deu prosseguimento, os caminhos que todos os místicos da Cristandade seguiram. Também vemos como os temas empíricos dos simples ascetas da Tebaida, e mesmo João Clímaco, tornaram-se nas mãos de Máximo mero discurso teorético (logos), uma investigação esotérica, uma síntese filosófica, que  englobava o todo do universo e tentava interpretá-lo; uma busca não para a missão de luta contra a carne, mas para a iluminação da mente enquanto mente. Quando a mente está esclarecida, então tudo é transubstanciado.

Máximo observa que isto não significa que por conta do "ser" ser mais elevado que o "conhecer" que o último não tenha serventia, ou que devemos desprezá-lo. "Conhecer" é o primeiro estágio necessário, e nós temos que ser treinados nesta escola; devemo-nos nos preparar a nós mesmos para que venha o 'insight' por meio da qual chegamos à 'theosis' (deificação). 'Conhecer' nos revelará os mistérios que estão na raiz das coisas, dando-nos o ímpeto de superá-los. Esta superação não é um ato no escuro irracional, mas um caminho pleno de luz.

9- A criação do homem em Máximo 'pela imagem e semelhança' de Deus. Para compreendermos a profundidade desta antropologia, que está oculta sob este 'insight' e a 'deificação', nós temos de retornar ao Antigo Testamento. Máximo é especialmente atingido pela decisão de Deus na criação do homem. "E Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gen. 1:26). Máximo faz desta decisão o centro do seu pensamento e a procura na essência do homem, em especial na essência dos Cristãos. "Feito à imagem" significa propriamente, de acordo com Máximo, "a mente e a vontade livre" (το αυτεξουσιον); ela também significa os dons sobrenaturais que são concedidos ao homem "à semelhança de Deus", quer dizer à ordem moral, no exercício da virtude. O termo 'semelhança' significa operação, a habilidade do homem de assimilação o torna semelhante a Deus. Isso pode ser alcançado apenas por aquele que é bom e sábio. Toda decisão de Deus nos obriga a entender como natureza humana aquela natureza que é intacta e com a qual o homem saiu das mãos do Criador, e age de acordo com sua natureza, isto é, de acordo com a razão, mente ('sob à imagem'), lei e virtude ('e semelhança').

A natureza humana, assim entendida, coloca em todo Cristão o dever intensivo de retornar e encontrar sua condição inicial de homem, ou melhor, de realizar em si mesmo a natureza tal qual Deus lhe concedeu. O retorno à condição inicial constitui o objeto do asceticismo de Máximo. Constitui o mais puro chamado ao auto conhecimento (αυτοϒνωσια). Máximo também fornece os meios para se alcançar este fim, um meio incidentalmente muito grego, de diminuir dia a dia mais e mais a parte irracional da alma.

10. O entendimento de Máximo do asceticismo cristão: uma visão geral. O asceticismo de Máximo é imbuído de grande otimismo. É um otimismo que deriva de sua convicção sobre a natureza humana regenerada e a atividade suprema da alma; ela é conectada com as almas virgens e puras que captam o espírito da Cristandade. Tornar-se justo e santo, ser unido a Deus no esplendor do espírito, isto é onde o asceticismo de Máximo conduz. Lembra-nos o Fédon de Platão, onde a deificação da alma está na base de sua purificação (καθαρσις) das paixões. A alma que foi assim purificada está também unida com Deus por meio da contemplação (θεωρια).

Para Máximo, asceticismo não é martírio de uma carne alegadamente impura, mas limpeza de espírito e alma, que é necessária se alguém está unido a Deus que é inteiramente espírito e verdade. Além destes elementos, porém, que possuem uma origem Grega, temos também os elementos bíblicos. A imagem Adâmica do homem faz a natureza espiritual transbordar e espalhar por todo corpo, esperando também abraçar a imortalidade. Assim, a plena realização da natureza humana exige o dom sobrenatural da 'impassibilidade' que conduz a um real estado de ausência de pecado. Há um meio para se alcançar isto. Para realizar esta tarefa, o homem tem de permitir a livre ação do desejo que o Criador colocou na alma do homem, já que Este que lhe deu meios de entendê-lo apenas de maneira obscura. O santo desejo permite ao homem efetivar essa bem aventurança, e redescobrir sua natureza Adâmica. A mente de Máximo frequentemente vai para esta bem aventurança inicial, para o homem do paraíso. Assim, devemos dizer que ele tem nostalgia pelo menor paraíso que seja, o qual ele expressa, até mesmo, em forma de hino.  No coração, místicos são poetas.

Após a Queda, Adão tornou-se um tipo de ser decaído. Por quê? Por que ele desviou sua habilidade de movimento natural para Deus e sujeitou seu espírito à sensualidade, buscando sua felicidade nos entes sensíveis. Com este pecado inicial ou original, o homem perdeu sua harmonia inerente a qual concedia  unidade entre sujeito (homem) e objeto (Deus). Em lugar de harmonia aconteceu desarmonia e em lugar de Deus, sensualidade; disto a iminência de todo tipo de perigo e erro que derivam deles. Em outras palavras, a despeito de seguir o sentido superior o homem optou pelo inferior. No entanto, Cristo veio e alcançou a restauração da humanidade. Ele se fez homem sem pecado, de modo a nos fazer deuses (não de acordo com a essência). A assimilação de Deus pela natureza humana deve ser correspondida pela nossa assimilação de Deus. Assim, o homem que foi criado "de acordo com a plena imagem de Deus" e "semelhança" é obrigado a elevar-se a esta semelhança inicial ou perfeita semelhança. O homem, então, não descobrirá Deus no interior de si mesmo. Em seu interior ele descobrirá apenas sua própria natureza em estado inicial ou de integridade original, tanto quanto os instintos espirituais que o levam à deificação. Esta deificação acontece de um modo que é inefável e místico. Qualquer que seja o reconhecimento que Máximo faz do conhecimento, no fim ele nos mostra claramente que o procedimento racional é insuficiente se estamos querendo chegar a Deus. Nós só podemos ir pelo impulso de sermos unidos a Deus. O impulso de ser unido a Deus e a noção de deificação, estes dois conceitos, constituem a base do misticismo de Máximo, o supremo misticismo de Bizâncio.



Nenhum comentário:

Postar um comentário